Morta essa semana aos 97 anos, Dona Vitória não filmou somente traficantes do Tabajaras (CV). Ajudou também a prender PMs envolvidos com o crime. RELEMBRE TRECHOS DA INVESTIGAÇÃO DA ÉPOCA E O QUE O TRABALHO DELA COLABOROU COM A POLÍCIA

Dona Vitória ou Joana da Paz, que filmou durante um bom tempo traficantes da Ladeira dos Tabajaras, em Copacabana, faleceu esta semana, em Salvador, aos 97 anos.
Com base no trabalho feito por ela, a Polícia Civil descobriu à epoca (anos de 2004 e 2005) o envolvimento de policiais militares com a quadrilha de traficantes.
Na denúncia, constou que PMs se associaram de forma prévia, estável e permanente, com o fito de assegurar a venda de entorpecente livre e desembaraçada de qualquer ação repressiva por parte de colegas de farda não integrantes da sociedade criminosa, na medida em que, no exercício da função pública e mediante recebimento de ‘propina’, se articulavam para obstar o patrulhamento ostensivo no Morro Dona Marta e na Ladeira dos Tabajaras e permitir o livre trânsito de usuários a essas localidades e seus pontos de venda, um deles, inclusive, situado ao lado de uma creche, contribuindo para o incentivo e difusão do comércio ilícito de substâncias entorpecentes, dentre as quais, crack, cocaína e maconha, recebendo para tanto vantagens financeiras ilícitas, ilícitas, para se omitirem de praticar atos de ofício.
Os policiais propiciaram as condições necessárias para a manutenção da traficância ilícita, participando de forma ativa no tráfico, na medida em que, associados entre si e com os traficantes, passavam informações acerca de policiamento na área, bem como afastavam ou dificultavam a repressão na localidade do Morro Dona Marta e Ladeira dos Tabajaras, mediante o recebimento de suborno
Em uma escuta, os PMs falavam que iam marcar dois encontros com traficantes para o acerto dos valores, sendo certo que um deles foi frustrado haja vista que o pai de um dos policiais tinha falecido no dia do encontro.
Um segundo encontro foi marcado entre os traficantes, sendo certo que desconfiava que fosse no pé do Morro Dona Marta, por causa de eventual rota de fuga.
Todo o aparato policial, inclusive câmeras para filmagem, estava concentrado no Morro Dona Marta.
Um policial civil pôde ver que o encontro acabou ocorrendo em uma galeria próxima ao 19.º BPM. Os PMs se reuniram com um traficante de vulgo Sérgio Catraca.
Em outra escuta, os policiais falaram que foram até o Dona Marta se encontrar com Catraca que, por sua vez, passou um Nextel para o traficante Ronaldinho do Tabajaras, chefão do morro.
As filmagens feitas por Dona Vitória resultaram em ação penal na qual foram denunciados vinte e cinco civis e nove policiais militares, organizados e escalonados de acordo com atribuições específicas, dentre as quais se inserem:
– os líderes do Tráfico na Ladeira dos Tabajaras e no Morro Dona
Marta (Ronaldo Lima e Gilson da Costa);
– o gerente-geral da Ladeira dos Tabajaras, em Copacabana;
– o gerente-geral do Morro Dona Marta, em Botafogo;
– os responsáveis pela fiscalização das atividades e pela venda de
drogas na Ladeira dos Tabajaras;
– os responsáveis pela resistência armada contra eventuais invasões
de grupos criminosos rivais;
diversos agentes que atuavam na venda de entorpecentes, os
chamados vapores;
– o responsável pelo transporte do material entorpecente
– os moto-táxis que atuavam no transporte de usuários para compra
de entorpecentes nas bocas-de-fumo;
– os responsáveis pela contratação e recebimento das faturas dos
aparelhos nextel utilizados pelos traficantes;
– o responsável pela guarda, ocultação e distribuição de armamento e
pelas informações sobre a movimentação de policiais na localidade; – olheiros do tráfico;
– policiais militares que passavam informações acerca de
policiamento na região e afastavam ou dificultavam a repressão do tráfico mediante recebimento de suborno; e
– um advogado que, abusando de seus privilégios profissionais, mantinha a comunicação entre os traficantes presos e os que se achavam em liberdade, promovendo, inclusive, a entrega de arma de fogo no interior de estabelecimento penal .
Filmado pela Dona Vitória, um playboy de classe média que residia na subida da Ladeira dos Tabajaras, e que mais facilmente passa pela polícia sem ser percebido, tinha a tarefa de levar as drogas de um morro para outro.
Ronaldinho do Tabajaras, mesmo preso, continuava no efetivo comando do tráfico: vendendo drogas, cobrando dívidas, determinando a quantia e forma de pagamento de subornos a policiais militares, recebendo, inclusive, a contabilidade recebida pelo rádio – quanto e a quem pagara pelas drogas, tendo sido aventado um faturamento de cerca de R$ 80.000,00 a R$ 90.000,00 por semana.