Policiais e ex-policiais que faziam parte da segurança de Capitão Guimarães participaram de trama de homicídio que levou o contraventor para a cadeia. Eles monitoraram a vida da vítima por mais de um ano antes do crime. VEJA PASSO A PASSO

utos do processo revelam como se deu o homicídio que levou para a cadeia um dos maiores bicheiros do Rio de Janeiro, Aílton Guimarães Jorge, o Capitão Guimarães.
A investigação revela que, para o cometimento do crime, houve emprego de uma sofisticada cadeia de diversos agentes (policiais e ex-policiais) para levantamento de dados pessoais e rotina da vítima e de pessoas próximas a esta para a consecução da empreitada criminosa.
Foi apurado pelo Ministério Público que o grupo ora investigado realizava “vigilância, monitoramento e pesquisas sobre autoridades e possíveis desafetos,
Segundo a investigação, “todos estes personagens são integrantes da equipe de seguranças de Capitão Guimarães , todos constam na listagem de policiais para os quais o bando criminoso adquiriu armamento de fogo”,
Fábio foi morto no dia 01/07/2020 em um posto de gasolina localizado na esquina da rodovia RJ 104 com a Rua Ana Cristina, no bairro do Colubandê, em São Gonçalo – RJ.
A vítima estava acompanhada de seu pai após conduzi-lo a uma consulta médica, na direção de um Land Rover Discovery 3, placa EBW0301, quando parou para abastecer no posto de gasolina onde se deram os fatos.
Ato contínuo, Fábio saiu do veículo durante a prestação do serviço e, neste exato momento, foi alvejado com disparos de arma de fogo por dois homens que se encontravam em uma motocicleta.
Segundo os relatos das testemunhas visuais dos fatos, os executores teriam se evadido do local sem subtrair qualquer pertence das pessoas que ali se encontravam ou do estabelecimento comercial, do que se infere o caráter de execução na empreitada criminosa.
Segundo a investigação, o veículo que a vítima conduzia, bem como o número de telefone por ela utilizado eram de propriedade de um amigo de Fábio, com quem teria estado no mesmo dia.
A SSinte/SEPOL procedeu a uma auditoria no Portal de Segurança do Estado, identificando que o número de CPF da vítima foi consultado por um agente da Polícia Civil em 26/02/2019,que também realizou consultas ao veículo em 30/01/2020, e ao nome do amigo da vítima.
Conforme salientado pelo membro do Ministério Público, “muitos dos parâmetros foram consultados por um policial civil da 66º DP (Piabetá) nas mesmas datas, 26/02/2019 e 30/01/2020, o que indica que o agente tinha plena ciência da relação existente entre os parâmetros consultados”.
Ademais, o policial encontrava-se lotado na 66ª Delegacia de Polícia, localizada em Piabetá, não havendo razão objetiva para a realização de tais consultas.
Conforme se extrai da quebra de sigilo de dados, o investigado policial procedeu, em 07/02/2019, ao envio do número de CPF e de fotografias de Fabio de Aguiar Sardinha a um ex-agente da lei, que foram acompanhadas de áudios em que a vítima é identificada como “o cara que está… as paradas estão no nome”.
Segundo informações colhidas pelo Ministério Público, a vítima integrou o quadro societário de diversas pessoas jurídicas e titularizava, em seu nome ou no de suas empresas, a propriedade de diversos bens imóveis, dentre os quais 31 matrículas de quartos suítes de um hotel localizado em Jacarepaguá, na cidade do Rio de Janeiro.
Também foi identificado o envio, em 28/11/2017 pelo investigado policial, das informações pessoais da vítima ao ex-policial militar Deveraldo Lima Barreira, preso na operação de quarta-feira, no mesmo dia em que outro policial civil também lotado na 66ª Delegacia de Polícia realizou pesquisa no Portal da Segurança da PCERJ pelos dados da vítima
Prosseguindo na análise dos dados extraídos, o Ministério Público apurou que, no dia 25/06/2018 (index 281), o investigado policial enviou para Deveraldo uma imagem contendo anotação feita à mão do número de telefone, do endereço e do CPF do amigo da vítima proprietário do veículo onde se encontrava a vítima no momento do homicídio.
No dia seguinte, o policial de Piabetá informou a Deveraldo as identificações de dois veículos que, na época dos fatos, se encontravam registrados como propriedade do amigo da vítima, dentre os quais a própria Land Rover Discovery 2008, que a vítima conduzia quando foi alvejada.
Ademais, na mesma auditoria realizada no Portal da Segurança pelo SSinte/SEPOL (index 283/284), constatou-se que o investigado policial realizou, nos dias 26/02/2019 e 30/01/2020, consultas com os nomes e números de CPF de Fábio e do amigo bem como com o veículo Land Rover já qualificado.
Os dados indicam que, a partir de setembro de 2018, o policial de Piabetá e o ex-PM passaram a acompanhar a rotina da vítima, tendo afirmado o policial civil, por mensagem de áudio enviada em 20/09/2018, que estava “tentando ver com um amigo aqui se consegue levantar negócio de viagem, que no mês passado ele fez uma viagem de seis dias”, restando corroborado por informação da Polícia Federal que a vítima realizara uma viagem de seis dias no mês anterior, entre 06/08/2018 e 12/08/2018.
Apurou-se, ainda, que o policial civil trocou mensagens de áudio com um agente federal indagando meios de verificação de monitoramento de viagens nacionais.
Consta a informação de que, já em 15/02/2019, o agente de Piabetá e o ex-PM trocaram áudios que indicam a confirmação do endereço do amigo dos veículos utilizados por este e pela vítima Fabio, bem como a estratégia de monitorar o histórico de localização das antenas (ERBs) empregadas pelas linhas telefônicas utilizadas por Fabio e o amigo
“(…) Ué cara, as coisas estão no nome dele. Tem um dia, te falei isso, tem um dia que a antena do cara, do pastor, bate aqui, nessa redondeza ali, exatamente por ali, entendeu, porque o levantamento que a gente fez, aquele um mês, entendeu? Vamos ver agora com esses caras que estão vendo aí para gente, aonde vão bater essas antenas, porque segunda feira de repente, pode até dividir, fica alguém na casa da mãe dele, alguém embaixo e alguém aqui. Três, não é verdade, o que você acha?”.
Conforme salientado pelo Ministério Público, o teor da mensagem indica a solicitação a algum membro ativo da Polícia Civil do período de localização das antenas, restando demonstrado o “grau de sofisticação e penetração dos criminosos para realizar levantamentos de informações que apenas poderiam ser conseguidas mediante medida cautelar”.
O Ministério Público apurou indícios de que mais um ex-policial civil, mencionado pelo agente de Piabetá era também encarregado do monitoramento da vítima e de pessoas próximas a ela.
Vale dizer que esse último ex-policial civil citado aparece na lista de credenciados da Liga Independente das Escolas de Samba como parente de Capitão Guimarães.
Na sequência das mensagens trocadas ainda entre os dias 15/02/2019 e 18/02/2019, conforme index 290, 291 e 292, os investigados referem-se a Fabio como “Pastor”, tendo o primeiro alertado o segundo de que o aniversário da vítima seria no dia 18/02/2019, e que esta exercia o ministério na Igreja Ministério Celebrai, conforme prints de Instagram obtidos pelos próprios investigados sendo necessário, segundo áudio enviado pelo policial civil de Piabetá, “(…) arrumar uma pessoa para ir para igreja direto, para ficar lá, para ser ovelha lá, para dar a planta certinho”.
Conforme extensa comunicação depreende-se que houve uma tentativa de execução da vítima planejada a partir de 27/07/2019, valendo destacar a síntese feita pelo Ministério Público de que os investigados “passaram longo período monitorando e levantando informações sobre Fabio de Aguiar Sardinha e pessoas próximas a ele, com o intuito de determinarem sua rotina e locais de frequência para lhe matarem com o menor risco de fracasso e de serem descobertos”, aduzindo o órgão acusador, ainda, que, “para tanto, foram usados policiais e ex-policiais na empreitada, acesso a bases oficiais de dados e obtenção de informações que apenas poderiam ser conseguidas através de medida cautelar”.
Na transcrição dos áudios colacionados tem-se que o investigado policial civil de Piabetá, entre os dias 27/07/2019 e 28/07/2019 informou a um PM reformado que, no domingo seguinte, “nós vamos ter aquela visita lá ao Pastor”, requerendo, para tanto, que seu interlocutor providencie “aquela viatura” e que fique “em QAP nesse período”, comunicando que “desde de manhã vai ter um pessoal lá, monitorando já”.
A seguir, o policial comunicou a um colega da delegacia a Fabio a intenção de “ter a missão” no domingo, requerendo que este também fique “em QAP” e que seja providenciada uma viatura junto a outro agente da lei.
Frise-se que, conforme códigos de comunicação estabelecida entre militares, “QAP” significa “estar na escuta”.
No dia seguinte, o agente discutiu com Deveraldo Lima Barreira ( a organização de veículos específicos a serem empregados na operação, fazendo alusão a alguém identificado apenas como “o Grande”.
Na mesma troca de mensagens, o agente da 66ª DP declarou que, caso não consigam um veículo específico, “vamos ter que abortar de novo”, do que se depreendem sucessivas tentativas de execução do plano de eliminar a vítima.
No mesmo dia, o policial deu a Deveraldo a ideia de “arrancar as placas de algum carro”, do que se infere o caráter ilícito da operação que estava sendo orquestrada.
Em seguida, o agente de Piabetá obteve a informação de que este teria conseguido um veículo para a operação, ao que o primeiro responde informando que “a gente está com touca e luva”, o que leva a crer que os investigados pretendiam dificultar a própria identificação.
Finalmente, ele informou a Deveraldo que policiais forneceram o veículo a colegas a delegacia buscá-lo, pois estaria “do lado do batalhão” – referido como “carro ruim” (roubado/furtado) -, tendo apurado o Ministério Público que este seria o 7º Batalhão de Polícia Militar, onde um dos PMs era lotado.
Depreende-se, de trocas de áudios realizadas entre policiais, o ex-PM e um PM na madrugada de 28/07/2019 para 29/07/2019 que os investigados viram a vítima saindo da igreja, vale dizer, próxima ao 7º Batalhão de Polícia Militar, passando a segui-la, mas não realizando, naquele momento, a execução, na medida em que esta se encontrava acompanhada de outras pessoas, mas deixando claro que achava “melhor a gente programar para uma outra ocasião, de novo”.
Constam fotos do agente de Piabetá, datadas de 28/07/2019, todas com coordenadas próximas à igreja em que a vítima atuava.
Depois, esse policial faz chegar até Capitão Guimarães que estava “chegando aí, vou guardar o carro, fala para ele que amanhã eu explico tudo”, valendo rque estava saindo de Itaipu na tarde/noite da descrita operação, bairro de residência de Ailton Guimarães.
Segundo a investigação, o agente de Piabetá permaneceu no monitoramento da vítima, relatando a Deveraldo em 28/01/2020 que esta se encontrava “na Lemos Cunha”, rua do bairro de Icaraí onde residia o amigo de Fábio.
Dois dias depois, ele efetuou novas consultas pelos dados da vítima Fabio, do amigo e do já mencionado veículo Land Rover utilizado pela primeira.
Pouco tempo depois, em 11/03/2020, o policial comunicou a Deveraldo a intenção de “dar um pulo lá para dar uma olhada, para ver se tem alguma coisa nova; algum carro novo, para ver se ele vai mesmo, se não vai, entendeu?”.
Na véspera da consumação do homicídio, o policial civil enviou mensagem a um PM confirmando que, no dia seguinte, os dois e mais um policial estariam juntos.
A seguir, o agente da 66ª DP confirmou com um agente lotado à época na Delegacia de Homicídios de Niterói e São Gonçalo, que este estaria “na sua base” no dia da execução do delito, valendo dizer que tal unidade seria acionada para comunicação do fato criminoso.
O policial, horas antes do crime, comunica a outro policial que estava em um veículo Corolla cinza, na companhia de Deveraldo, no bairro de Icaraí, onde residia o amigo de Fábio e de onde a vítima saiu na direção da cidade de São Gonçalo.
O policial se deslocou, no dia dos fatos, da região de Itaipu para a região central de Niterói, regressando a Itaipu ao final do dia.
Há indícios de que o mesmo tenha desligado seu telefone celular no momento do crime, dado que há um lapso de registros entre 14:15h no bairro do Barreto e 16:43 na região da Itaipu, sendo certo que o delito foi executado às 16h em São Gonçalo.
Segundo o Ministério Público, tal providência indica a utilização de “circuitos fechados” para a prática criminosa, consistentes no emprego de terminais, registrados em nome de terceiros, ligados/ativados pelos agentes unicamente quando da execução de delitos e para comunicação com outros membros da organização, do que se infere a intenção de prejudicar as investigações.